Violência, misoginia, representatividade e democracia, por Maíra Recchia para o ConJur
23/11/2023Condenação de Bolsonaro deve ser alerta a candidatos à reeleição
24/11/2023Por Amanda Guimarães da Cunha
Em Imbituba, uma pequena cidade litorânea no sul de Santa Catarina, onde por acaso e com muita sorte, diante de suas belezas naturais, cresci, ocorreu um fato deveras inusitado. O atual prefeito, Rosenvaldo da Silva (PSB), eleito nas últimas eleições municipais de 2020, foi acusado de incorrer em infrações ético-disciplinares que justificariam um processo de impeachment.
A acusação se baseava na ausência de resposta a questionamentos elaborados e enviados ao chefe do Executivo pelo Poder Legislativo local e de que ele teria sido omisso quanto à aplicação de verbas provindas por meio de emendas parlamentares, ocasionando um déficit aproximado de R$ 1 milhão.
O processo foi instaurado e, por meio de sua defesa, o prefeito demonstrou que os recursos, em verdade, haviam retornado ao município e estavam sendo devidamente aplicados, além de justificativas sobre as supostas faltas de respostas aos vereadores.
Ainda assim, o prefeito foi cassado. Bem, ao menos por 48 horas.
Finalizado esse prazo, entretanto, a própria Câmara Municipal anulou a sessão, e o prefeito foi reconduzido ao cargo. A justificativa? Três requerimentos que apontavam irregularidades no processo que foi conduzido, como o não respeito à ordem dos votantes estabelecida por sorteio, o tempo de duração da sessão, a maneira informal (por meio de whatsapp) de convocação para a famigerada sessão e falta de representação proporcional partidária na comissão processante.
Um verdadeiro, e quase instantâneo, “compliance ” do processo de impeachment.
Pois bem, o caso do prefeito de Imbituba, com exceção da presteza na anulação do próprio julgamento pela Câmara, não é uma exceção, pelo contrário.
Os processos levados a cabo pelas Casas Legislativas que culminam na cassação de gestores legitimamente eleitos se dão aos montes. E acredito que isso ocorra por duas questões fundamentais: a primeira é a crença de que, por se tratar de processos de competência do Poder Legislativo, os critérios para análise de mérito da causa e de culpa do agente político podem ser arbitrados com subjetividade e decididos por disputas político-partidárias; a segunda, diretamente correlacionada, a falta de reconhecimento de que se está diante de direito sancionador que atinge duplamente os direitos políticos fundamentais: os da pessoa acusada e os de todo eleitorado que a elegera.
É por causa destes dois fatores que toda a legislação, processual e material, que rege esses processos é vaga e genérica, permitindo toda a sorte de interpretações, para não dizer além. Aproveitando-se dos conceitos abertos e elásticos dessas normas, bem como, ainda, de uma interpretação casuística, as diferentes forças políticas instauram esses processos e impõem sanções de cassação de forma desproporcional e desarrazoada.
Sem adentrar precisamente no mérito do processo, foi notória na defesa do prefeito a apresentação de justificativas e de demonstração da aplicação regular dos recursos acusados de terem sido perdidos, inclusive de forma planilhada. No que subsistiria, portanto, tal acusação?
Como se isso não bastasse, os parlamentares, para além do nosso exemplo, costumam invocar o direito de instaurar tais processos, tendo em vista o dever de zelar por uma administração eficiente e proba, alegando argumentos como ” má gestão ” para impor sanções de cassação, que acarretam na maior parte das vezes também em inelegibilidade.
Ainda que haja toda uma problemática na legislação pertinente, os fundamentos jurídicos presentes no ordenamento que possibilitam tais processos e aplicação de sanções referem-se a atos ilícitos e infrações político-administrativas e só podem ser invocados quando há comprovação dos fatos bem delimitados e provas robustas de autoria e materialidade.
Não se trata aqui de diminuir a possibilidade de fiscalização dos atos do Executivo e de puni-los quando são condutas proibidas, mas tampouco de validar o amplo poder discricionário que os parlamentares julgam ter diante de tais formas de controle. É preciso reequilibrar essa balança sancionatória.
O caso de Imbituba acabou sendo resolvido “internamente”, sem intervenção do Poder Judiciário, que costumeiramente costuma se omitir do mérito de tais questões e isso também precisa evoluir. Tratando-se de direito sancionador, há justificativa para verificar se estão presentes suficientes elementos de autoria e materialidade, formando uma justa causa que autorize o processo sancionador.
Imbituba é conhecida por suas belas praias e por ser o local onde a espécie baleia franca, originária da região Antártica, vem todos os anos se reproduzir. Possui, inclusive, o título nacional de Capital da Baleia Franca. Bem, agora trouxe um elefante para sala, mas o retirou rapidamente. Todavia, isso não quer dizer que não possamos fazer um bom uso dele.