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30/07/2025Por Edilene Lôbo
25 de julho é o Dia Internacional da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, reconhecido pela ONU desde 1992, para marcar um tempo de reflexão e compromisso com a luta contra as opressões de raça e de gênero.
No Brasil, é a data de celebração de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, conforme a Lei 12.987/2014, feita para comemorar a vida e a luta da escravizada que liderou a resistência negra e indígena no Quilombo do Quariterê, o maior do Mato Grosso, na divisa com a Bolívia. Depois da morte de seu marido pelas forças de repressão da época, Tereza assumiu a liderança, onde implementou uma espécie de parlamento para decidir as ações tático-estratégicas de defesa do território.
Estima-se que Tereza, a rainha negra do Pantanal, tenha morrido por volta de 1770, denominada pelos seus opressores em texto escrito, de Pestesilea, Cleópatra, Zenobia[1], com seu legado na América portuguesa e espanhola bem vivo, inspirando gerações. Tereza de Benguela, cuja rebeldia “acendeu a chama da liberdade”[2], viu no quilombo “o sonho de felicidade”[3].
Do Quilombo do Quariterê, onde “a rainha negra governava índios, caboclos e mestiços numa civilização”[4], desponta a categoria político-cultural da amefricanidade, cunhada por Lélia Gonzalez, grande intelectual mineira, ela mesma filha da herança afro-indígena que marca o povo brasileiro.
Por meio de escritos poderosos e ação prática contundente, há décadas Lélia Gonzalez apontava a necessidade de desnudar a hipocrisia da democracia racial para combater o racismo, o sexismo, e tratar da resistência cultural para avançar em direção à democracia política e econômica devida ao povo que a constrói com suor, sangue e esperança.
Lélia Gonzalez antevia os restos mortais insepultos do imperialismo – bem antes do bullyng tarifário como arma de intervenção que ocupa as manchetes dos jornais. E bradava que “fronteiras são ficções sociais e políticas forjadas pelo mundo colonial e capitalista”[5] no seu próprio interesse e contra os pobres. Ora se elevam esses muros, ora os destroem. Porém, são sempre muros a garantir segregação, manipulação e dominação das imensas maiorias minorizadas do sul global, negra, latinoamericana, caribenha.
A partir de Tereza de Benguela e Lélia Gonzalez fica bem explícito que a saída será sempre coletiva e deve ser organizada para que no centro dela esteja o compromisso com a luta antirracista e feminista, num País cuja fotografia do povo pode ser resumida numa mulher negra, minorizada em todos os espaços de poder – no peito de quem o colonialismo crava suas garras.
Essas duas mulheres, cujas trajetórias se entrelaçam, mostram que é preciso falar da necessária presença feminina negra nos espaços de poder, enfocando uma representação substantiva e de valores, a significar compromisso com a sociedade justa e solidária anunciada, que se organiza e se orienta pelos eixos da equidade étnico racial e de gênero. Essa equidade que deve ser vista como política constitucional, como dever funcional e como estratégia de enfrentamento às desigualdades.
Tereza de Benguela e Lélia González nos convidam a atualizar estratégias de aquilombamento para cuidar da semeadura da diversidade, em busca da colheita da prosperidade.
Há que se afirmar todos os dias que nunca foi tão necessário falar dos quilombos, das revoltas, das rebeliões e dos motins das mulheres negras, indígenas, caribenhas, afro-americanas, para recordar como fazer a resistência aos avanços do imperialismo, no último formato mais conhecido, com a ultrataxação que atinge de modo mais duro, historicamente, as pessoas mais pobres.
Não se põe em dúvida que o acesso à justiça, a representatividade e a valorização da diversidade não são apenas demandas sociais, mas princípios fundamentais para a consolidação de uma sociedade realmente democrática e eficiente. Essa sociedade que consiga revelar sua própria identidade, sem submissão ao norte global, multicultural e polifônica, com muitas vozes em diálogo, várias mãos em ação, e um só coração, bombeando o sangue latino que “vem da miscigenação”[6].
Urge a revisitação do pacto constitucional para tematizar as mulheres negras e indígenas nos espaços de poder como a linha do não retrocesso, a despeito dos muitos golpes, sentidos todos os dias no coração do gigante, que ainda fecha os olhos à sua maior tecnologia de resistência: a visibilidade da mulher negra.
Sigamos confiantes, mesmo dia após dia da perda de chances de fazer transformações imediatas, porque um dia “vai clarear”! Veremos “um sol dourado de quimera” e a “luz de Tereza de Benguela não apagará”[7].
Referências:
[1] Conforme Bruno Rodrigues: “Na mitologia greco-romana, ‘Pestesilea’, foi filha de Ares e Othera, guerreira e rainha das amazonas. Já Cleópatra, considerada uma das mulheres mais poderosa do mundo antigo, preferiu a morte ao triunfo do inimigo, ao se deixar ser picada por uma serpente após ser informada da derrota do marido, para que não fosse exibida nas ruas de Roma como prisioneira. Zenobia, por sua vez, foi a rainha de Palmira e, no século III, depois da morte do esposo, assumiu o reinado; este compreendia vasta região, abrangendo parte do Egito, Síria e Ásia Menor”. (RODRIGUES, Bruno. A voz de Tereza de Benguela não apagará: o dito e o não-dito pelas fontes históricas. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais – jan./jun. 2022, vol. 19, Ano XIX, nº 1, p. 504)
[2] Samba enredo da Unidos da Viradouro, 1994. Composição de Rico Medeiros, Jorge Baiano, Cláudio Fabrino, Paulo César Portugal. Disponível em: https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/. Acesso em: 24 jul. 2025.
[3] Samba enredo da Unidos da Viradouro, 1994. Composição de Rico Medeiros, Jorge Baiano, Cláudio Fabrino, Paulo César Portugal. Disponível em: https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/. Acesso em: 24 jul. 2025.
[4] Samba enredo da Unidos da Viradouro, 1994. Composição de Rico Medeiros, Jorge Baiano, Cláudio Fabrino, Paulo César Portugal. Disponível em: https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/. Acesso em: 24 jul. 2025.
[5] RIOS, Flávia; LIMA, Márcia (Org). Em introdução à obra: GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. 1ª ed. Rios de Janeiro: Editora Zahar, 2020, p. 17.
[6] Samba enredo da Unidos da Viradouro, 1994. Composição de Rico Medeiros, Jorge Baiano, Cláudio Fabrino, Paulo César Portugal. Disponível em: https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/. Acesso em: 24 jul. 2025.
[7] Samba enredo da Unidos da Viradouro, 1994. Composição de Rico Medeiros, Jorge Baiano, Cláudio Fabrino, Paulo César Portugal. Disponível em: https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/. Acesso em: 24 jul. 2025.