Razões para o indeferimento do registro de Deltan e suas consequências
19/05/2023Por que o PL, e não o Podemos, herdou a vaga de Deltan Dallagnol na Câmara?
22/05/2023A condução do processo que levou à cassação do mandato do ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Podemos-PR) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) causou uma cisão entre os operadores do Direito. Para alguns, a Justiça Eleitoral fez uma interpretação expansiva da legislação, o que não deveria ocorrer quando se trata de normas restritivas de direitos individuais. Para outros, no entanto, os magistrados, por unanimidade, fizeram uma interpretação exata do que diz a lei.
O ex-coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba concorreu às eleições com o registro de candidatura sub judice, por causa de questionamentos em relação à sua elegibilidade. O caso foi julgado pelo TSE na última terça-feira (16/5), que decidiu indeferir o registro. Com o resultado, foi cassado o diploma que foi expedido quando ele foi eleito.
Os magistrados seguiram o voto do relator ministro Benedito Gonçalves. Ao julgar os recursos interpostos pelo PMN e pela federação Brasil Esperança, ele entendeu que houve fraude à Lei da Ficha Limpa, caracterizada pelo pedido de exoneração do cargo de procurador da República enquanto haviam pendentes de análise no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) procedimentos sobre sua atuação no Ministério Público Federal.
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Para o especialista em Direito Constitucional Fabio Tavares Sobreira, o fato de não haver PAD contra Dallagnol indica que o tribunal errou. “Havia reclamações e sindicâncias. As sindicâncias não têm contraditório nem ampla defesa, são investigações preliminares para futuramente, talvez, subsidiar a instauração de um processo. Mas isso é futuro. As reclamações sequer são sindicâncias. Então o marco inicial para que o TSE se utilize da alínea “q” do artigo 1º, inciso I, era a instauração de processo administrativo disciplinado, o que não existia na época”, reforça.
O entendimento foi endossado pelo ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SC e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Pierre Vanderline. Ele salienta que quando a legislação eleitoral traz alguma restrição ao exercício dos direitos políticos relacionados à candidatura, a interpretação tem que ser restritiva. “Se a lei fala em processo administrativo disciplinar, tem que ser nos temos de processo administrativo disciplinar. Qualquer outro procedimento, mesmo de natureza administrativa, não caberia à Justiça eleitoral fazer essa interpretação ampliativa”, justifica.
Vanderline, no entanto, afirma que chama atenção o fato de a decisão ter sido unânime. “Por outro lado, me parece levar em consideração que a Justiça Eleitoral teve a cautela de se atentar à natureza jurídica do processo que ele [Deltan Dellagnol] respondia. O ministro cita, por exemplo, o procedimento que levou à demissão de um outro procurador”, completa.
No voto, o relator pondera que ex-procurador da República pediu exoneração 16 dias após outro procurador da operação ter sido apenado com demissão em um PAD instaurado a partir de reclamação por contratar e instalar outdoor em homenagem à força-tarefa, com fotografia na qual Deltan Dallagnol também aparece. O fato, segundo o relator, não teria “maior liame com o caso” se não fossem as circunstâncias.
Para quem concorda com a decisão do TSE, esse fato indica intenção de o ex-procurador da República em burlar a legislação. “O TSE não inovou. E não é necessária uma interpretação restritiva sobre a natureza desses processos administrativos. É incontroverso que havia processos, inclusive, que um outro procurador da Lava Jato já havia sido demitido do serviço público e que, portanto, era provável que o Deltan Dallagnol seria condenado e perderia o cargo”, avalia Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Abradep.
Espírito da lei
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Especialista em Direito Eleitoral e integrante da Abradep, Ricardo Penteado também usa como fundamento a alínea “k” para argumentar que o TSE agiu nos termos a lei. Ele pontua que as alíneas “k” e “q” versam sobre o mesmo tema. A alínea “k”, diz, observa a inelegibilidade “desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo. Ou seja, na esteira, não poderia ter uma situação diferente relativamente aos magistrados e membros do Ministério Público. Todos devem obedecer a mesma regra”.
Ele afirma ainda que no caso em questão “existia já um inquérito cujo relatório já estava até finalizado, propondo a abertura do PAD. A alínea ‘k’ não diz sobre a existência de PAD, mas desde o oferecimento de algo que vá desaguar nisso”. Penteado, entretanto, faz questão de ressaltar que a Lei da Ficha Limpa “é uma monstruosidade com relação às inelegibilidades que criou, em especial essa relativa à renúncia ou à exoneração”.
O único cenário minimamente otimista para o ex-procurador seria a distribuição do recurso a um ministro mais simpático à Lava Jato. No entanto, mesmo se isso ocorrer, posteriormente uma decisão individual teria de ser referendada pelo restante da corte.
Na avaliação de integrantes do STF, é pouco provável que Deltan consiga maioria no plenário em seu favor. Primeiro, porque ele já inicia o debate com três votos contrários, uma vez que a decisão do TSE foi unânime e os três integrantes do STF que compõem a corte eleitoral votaram contra ele.
Segundo, porque há uma corrente no Supremo que sempre foi crítica dos métodos adotados por Deltan quando ele era procurador da Lava Jato e que tende a trabalhar pela manutenção da perda de mandato do paranaense.
Assim, caso o STF não derrube a decisão do TSE nos próximos dias, caberá à Câmara apenas cumprir a ordem judicial e retirá-lo da Casa.
A regra atual determina que não cabe à Câmara análise de mérito da determinação do tribunal. Apesar disso, nessas situações o Legislativo costuma cumprir um rito formal e burocrático após ser notificado e abrir um prazo, geralmente de cinco dias, para o deputado se manifestar. Assim, não há previsão de votação no plenário ou algum tipo de votação sobre a decisão do TSE.
Aliados de Deltan cogitam até incluir uma anistia ao ex-procurador na PEC da Anistia, proposta de emenda à Constituição que promove o maior perdão da história a partidos políticos. No entanto, dificilmente ele terá força para isso.