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03/03/2024O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou nesta semana as regras para as eleições deste ano. O conjunto de normas dispõe sobre o uso de inteligência artificial (IA) e a responsabilidade de plataformas digitais sobre o conteúdo publicado, entre outros pontos. Especialistas consultados pelo Estadão divergem sobre a necessidade de restringir a utilização de ferramentas de IA na campanha – como decidido pela Justiça Eleitoral – e também alertam para uma possível redução da liberdade de expressão nas redes sociais.
Entre as regras anunciadas, está a proibição de uso de deepfake na criação de conteúdo falso ou difamatório. Por meio dessa técnica, é possível criar fotos, vídeos e áudios sintéticos que são facilmente confundidos com conteúdo legítimo. Candidatos e partidos também precisam identificar expressamente materiais feitos por IA. Outra novidade é a restrição ao uso de robôs e avatares na campanha para intermediar o contato com os eleitores ou para simular diálogos com os próprios candidatos.
O conjunto de regras foi apresentado pela vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, nesta terça-feira, 27. Porém, as resoluções serão publicadas no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) até o 5 de março, segundo assessores da Corte. Até a publicação, é possível que o Tribunal realize ajustes na versão final do texto, mas mudanças bruscas não são esperadas.
Para o professor de inteligência artificial Alexandre Chiavegatto Filho, da Universidade de São Paulo (USP), as medidas anunciadas pelo TSE para coibir o mau uso de IA no contexto eleitoral representam um equívoco. Chiavegatto argumenta que as regras acabaram criminalizando a ferramenta em vez de combater os delitos. “A tentativa de regulamentar algo que está em tudo no mundo digital é, na minha opinião, no mínimo ingênua e no máximo inútil”, disse ele, que conduz pesquisas sobre aplicações de IA na área da saúde e escreve sobre o assunto em sua coluna no Estadão.
Já o advogado José Paes Neto, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), avalia como positivas as regras da Justiça Eleitoral que, segundo ele, preenchem uma lacuna na legislação brasileira, uma vez que o Congresso Nacional ainda não aprovou nenhum projeto de regulamentação do uso de IA. Porém, o especialista considera que, mesmo com a regulação proposta pelo TSE, haverá abusos no uso de inteligência artificial nas eleições deste ano.
“Acredito que a principal preocupação do TSE ao elaborar a resolução foi coibir o uso de deepfake, e vejo isso com bons olhos. Porém, considero que esse é um problema muito grande e que talvez não tenhamos a tecnologia necessária para lidar com ele. Mesmo com uma regulamentação, ainda vamos encontrar problemas com IA nas eleições deste ano”, afirma Paes Neto, ressaltando que as ferramentas também possuem usos legítimos e benefícios.
Segundo o advogado, aplicações de inteligência artificial podem ser utilizadas para reduzir custos de campanhas. Ele cita que aplicativos de IA generativa podem ser usado para escrever roteiros ou peças publicitárias, por exemplo. “Se por um lado existem usos maléficos dessa tecnologia, por outro lado, ela pode democratizar a propaganda eleitoral por meio de redução de gastos. No médio e longo prazo, o legislador terá que encontrar uma sintonia fina para essa questão”, conta.
Eticista (especialista em ética) de IA e doutor em Filosofia do Direito pela PUC-SP, André Gualtieri também considera que as restrições impostas pelo TSE são uma medida importante no combate a desinformação. Porém, ele considera que a resolução, assim como toda norma, é limitada. “Nada impede que apareça uma pessoa isolada, sem ligação formal com qualquer campanha, que vai publicar deepfake nas redes sociais”. Assim como Paes Neto, Gualtieri julga que fiscalizar o uso dessa tecnologia pela população será o maior desafio desta eleição.
Responsabilização de plataformas digitais
Outro ponto destacado pelos especialistas é a responsabilização das plataformas digitais, como Google e Facebook, por conteúdo publicado por terceiro. As regras aprovadas pelo TSE obrigam as empresas a adotarem medidas “para impedir ou diminuir a circulação de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Umas dessas medidas será exclusão de conteúdo sem ordem judicial. Ou seja, as plataformas terão que localizar e apagar conteúdo falso sob o risco de serem multadas.
Segundo Paes Neto, a medida colocou uma “responsabilidade muito grande sobre as big techs”. “Esse é o ponto que mais me preocupa, embora compreenda que as empresas precisam ter um dever de cuidado; por outro lado, isso pode abrir espaço para uma restrição da liberdade de expressão dos usuários”, afirma o advogado. Ele argumenta que o termo “fatos notoriamente inverídicos” utilizado pelo TSE traz uma zona cinzenta para as empresas que, na dúvida, tentem a deletar o conteúdo para não terem prejuízos financeiros.
Gualtieri conta que a decisão do TSE de responsabilizar as big techs divide o meio jurídico. “Esse é um tema polêmico, que gerou visões divergentes durante a consulta pública (para formulação das resoluções). Algumas pessoas discordaram dessa postura do Tribunal, alegando que, tradicionalmente, as redes sociais não são responsáveis por conteúdo que terceiros colocam nas plataformas”.
O especialista em ética de IA explica, porém, que o entendimento de isentar as plataformas digitais nasceu nos Estados Unidos durante a década de 1990, quando as redes sociais ainda não utilizavam algoritmos. Segundo ele, as publicações que apareciam no feed das redes em ordem cronológica. Quando um post viralizava, isso ocorria de forma orgânica. Agora, as redes sociais usam algoritmos para entregar o conteúdo, participando de forma ativa da dinâmica.