Coordenadores da ABRADEP comentam decisão do TSE de cassar quem usar IA indevidamente, para o JOTA
01/03/2024Wandir Allan comenta restrição de IA nas eleições
01/03/2024O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou nesta terça-feira (27) uma norma que regula o uso da IA (inteligência artificial) em campanhas políticas. O texto, que integra um conjunto de 12 resoluções que serão aplicadas nas eleições municipais de 2024, atende a uma demanda do atual presidente da Corte eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes, ao prever que políticos que infringirem as regras poderão ser cassados.
As novas regras, que ainda não foram publicadas no Diário de Justiça Eletrônico, alteram a resolução nº 23.610/2019, que dispõe sobre propaganda eleitoral, para:
Exigir a sinalização de conteúdos multimídia sintéticos;
Restringir o uso de chatbots na comunicação de campanhas — proibindo a simulação de interlocução com uma pessoa real;
Vedar totalmente o uso de deepfakes, vídeos e áudios gerados por IA que simulam a imagem ou a voz de uma pessoa real, ainda que mediante autorização, para prejudicar ou favorecer uma candidatura.
A bandeira do combate ao uso fraudulento da tecnologia em campanhas eleitorais é levantada por Moraes desde o ano passado. Em falas públicas, o magistrado defendeu a cassação dos mandatos e a inelegibilidade de políticos e candidatos que fizessem uso malicioso da tecnologia.
Embora a nova resolução não traga essas previsões de maneira explícita, o tribunal poderá interpretar “o uso excessivo e deturpado de IA como abuso de poder ou uso indevido dos meios de comunicação, que são hipóteses previstas para cassação”, explicou ao Aos Fatos Luiza Portella, advogada especialista em direito eleitoral.
Ela lembrou o caso do deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR), que teve o mandato cassado em 2021 por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação em precedente inédito.
Na época, o tribunal já havia incluído nas normas sobre propaganda eleitoral a proibição da “divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos”;
Em 2022, novas normas foram editadas para vedar o compartilhamento de desinformação, mesmo em contextos fora de propaganda;
Essas resoluções continuam válidas para as eleições de 2024, acrescidas agora das regras sobre uso de IA.
De acordo com o coordenador-geral adjunto da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), Bruno Andrade, a principal inovação trazida pelo texto do TSE “é a exigência de transparência das candidaturas em relação ao eleitorado”.
Ele destaca que a rotulação dos conteúdos gerados por IA é uma forma de garantir ao mesmo tempo o uso adequado da tecnologia e o direito do eleitor de receber informações precisas.
“A obrigatoriedade de indicação do uso da IA começa a sensibilizar a população para os avanços tecnológicos e para a necessidade de treinar os olhos e a mente para distinguir o que é fabricado”, concorda Portella.
Para ela, contudo, a vedação completa de deepfakes, mesmo mediante autorização do uso de imagem, representa uma postura conservadora do tribunal. A advogada diz que a decisão deverá ser revista no futuro, “diante da economia trazida, quando utilizada de forma positiva”.
Em nota, a Data Privacy Brasil, organização que atua em prol da promoção da cultura de proteção de dados e direitos digitais no país, elogiou o conteúdo das resoluções, mas lembrou que “as novas regras exigirão um esforço público e privado inédito, envolvendo os tribunais eleitorais e as empresas de tecnologia”.
Entre as medidas necessárias para a aplicação efetiva da regra, são citadas a atualização de termos de uso e a adoção de maneiras de impedir ou diminuir a circulação de conteúdos proibidos nas plataformas digitais.
A publicação de uma resolução que regula o uso de IA em campanhas eleitorais vem em um contexto de lacuna legislativa no Congresso Nacional, que discute o tema ao menos desde 2020.
No Senado, uma comissão especial estuda cinco projetos que pretendem criar uma regulação para a tecnologia. Um deles é o PL 2.338/2023, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se apresenta como um substitutivo para os outros quatro;
A proposta de Pacheco cria um Marco Regulatório para o tema, mas não trata especificamente do uso da IA em campanhas políticas. O contexto eleitoral não foi prioritário nos trabalhos da comissão, que devem se encerrar nos próximos meses para que o projeto seja votado até abril;
Na Câmara, uma proposta sobre o tema (PL 21/2020) foi aprovada em 2021 e desde então outros 60 textos foram apresentados. Entre eles, há 15 que tratam especificamente da produção de deepfakes e três que abordam o uso de IA em campanhas políticas.
Nenhum dos projetos do Congresso foram analisados a tempo de valer para o pleito deste ano – a Constituição determina que leis que impactem o processo eleitoral precisam ser aprovadas até um ano antes da data do primeiro turno.
Após esse período, o TSE costuma publicar resoluções. Neste ano, atipicamente, as normas foram publicadas no final de fevereiro, após a realização de audiências públicas.
Em 2022, diante da intensa circulação de desinformação, o TSE também atuou ao publicar resolução sobre o tema durante o período eleitoral. Dessa vez, especialistas acreditam que isso não será necessário.
“Precisaria de algo substancial para que exigisse que a Justiça Eleitoral complementasse a regulamentação já existente. Lacunas sempre vão haver no direito em geral, nas eleições mais especificamente, mas em sua grande maioria é preenchida pela análise do caso concreto sem a necessidade de regulamentação”, avalia Andrade.
“Esse ano o TSE se antecipou e supriu as demandas existentes, mas como a desinformação é muito volátil, certamente vamos nos deparar com novas hipóteses que não foram previstas”, pondera Portella. “Espero que não haja mudança nas resoluções ao longo da campanha, mas para a próxima [de 2026], teremos evoluções.”