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24/11/2025Por Anna Paula Oliveira Mendes e Raquel Cavalcanti Malenchini
O debate sobre o Novo Código Eleitoral expôs avanços e fragilidades, destacando normas que fortalecem a participação política de mulheres e pessoas negras.
O projeto de Novo Código Eleitoral mais uma vez terminou não sendo aprovado. De todo modo ficam lições do debate Legislativo, num cenário que evidencia que o avanço na conquista de direitos políticos não decorre de um movimento social automático ou linear. Ao longo de sua tramitação, diversas emendas apresentadas traduziram retrocessos, e mesmo o texto final aprovado ainda revela fragilidades e riscos de regressão, notadamente em temas sensíveis como a transparência na prestação de contas partidárias e a efetividade do exercício dos direitos políticos das mulheres.
Dentro da amplitude normativa e da pluralidade de matérias contempladas no Código, dois artigos merecem especial atenção. Mesmo o Código não tendo sido aprovado, não se pode negar que o debate sobre as normas já introduz o tema no seio da sociedade jurídica, e, de todo modo, a questão já vem sendo analisada pela doutrina como decorrência do princípio da igualdade. No caso, os artigos apontados a seguir têm potencial de constituir um avanço hermenêutico na interpretação de normas relacionadas ao direito das mulheres e de pessoas negras. Sua redação, embora não imune a críticas, abre espaço para uma leitura que extraia toda a sua força normativa, de modo a alinhá-los aos valores constitucionais e ao imperativo de promoção da justiça.
Trata-se dos arts. 2º, XI e 4º, que possuem a seguinte redação:
- Art. 2o O direito eleitoral e processual eleitoral será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, observados as disposições desta Lei e os seguintes princípios fundamentais:
- XI – participação política de mulheres e de pessoas negras assegurada nas instâncias de representação política e no exercício de funções públicas.
- Art. 4o Para o exercício de seus direitos de participação política, o Estado garantirá às mulheres igualdade de oportunidades e tratamento, não discriminação e equidade no acesso às instâncias de representação política e no exercício de suas funções públicas, desde que respeitada a autonomia partidária.
Cuidam-se de disposições de caráter metajurídico, isto é, de preceitos voltados à aplicação e interpretação do Direito Eleitoral. Já em uma leitura inicial, percebe-se que o texto estabelece que as regras eleitorais devem ser compreendidas de modo a estimular a participação política das mulheres e das pessoas negras (art. 2º). No tocante à participação feminina, esse impulso interpretativo é reforçado pelo art. 4º.
Trata-se, portanto, de previsões legais que buscam fomentar a presença política de dois grupos historicamente minorizados. Nessa perspectiva, é possível sustentar que o Código introduz um princípio de Direito Antidiscriminatório, evidenciado de forma inequívoca no art. 4º, que, ao dirigir-se às mulheres, consagra expressamente a promoção de um tratamento não discriminatório.
Pode-se inicialmente fazer uma crítica quanto a consideração de apenas mulheres e pessoas negras na disposição geral do artigo segundo, quando, pelos próprios esforços realizados pela legislação e pela Justiça Eleitoral, outros grupos minorizados poderiam ser inseridos como os povos indígenas, as pessoas com deficiência e as pessoas integrantes do grupo LGBTQIA+. Assim, como pode-se fazer uma crítica quanto a apenas mulheres no parágrafo 4º. Para além da crítica, deve-se comemorar a inclusão dos dois artigos e esperar que a jurisprudência e as instituições extraiam deles a máxima efetividade.
Entende-se que tal norma não se dirige apenas ao intérprete do Direito Eleitoral, na condição de julgador, mas também às instituições envolvidas no processo democrático, como Justiça Eleitoral, Ministério Público, partidos políticos, candidatos e candidatas. É igualmente necessário que alcance a cidadania, por meio de esforços de comunicação institucional que promovam a compreensão pública da norma e estimulem o engajamento cívico. Essa diretriz está em consonância com o art. 93-A da lei 9.504/1997, que prevê campanhas destinadas a incentivar a participação política de mulheres, jovens e pessoas negras, podendo ser ampliada para incluir ações de esclarecimento sobre preconceito e discriminação.
Nesse contexto, considera-se possível incorporar, desde já, os mandamentos dessas normas às práticas institucionais e à hermenêutica eleitoral, uma vez que derivam do princípio constitucional da igualdade, em suas dimensões formal, material e de reconhecimento1. Ainda que não estejam expressamente previstos em norma legal, tais preceitos podem ser efetivados por meio de políticas públicas e de uma interpretação jurídica comprometida com o combate à discriminação negativa, com a consideração dos fatores históricos e sociais de opressão de grupos minorizados e com a formação continuada de operadores do Direito, magistrados e servidores. Essas iniciativas já vêm sendo discutidas na doutrina2 e, ainda que de forma incipiente, implementadas por algumas instituições.
Tais normas representam, portanto, a semente de um conjunto de ações educacionais, institucionais e hermenêuticas que devem florescer e se aperfeiçoar no campo jurídico, independentemente da aprovação do novo Código Eleitoral. Sua adoção decorre de uma exigência contemporânea de justiça e de um compromisso ético com a igualdade substancial e a não discriminação.
1 BARROSO, Luís Roberto, OSORIO Aline . “Sabe com quem está falando?”: Notas sobre o princípio da igualdade no Brasil contemporâneo. Revista Direito e Práxis. 2016, 7(13), 204-232. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=350944882008. Acesso em 24 out. 2025
2 Como já sustenta Jão Andrade Neto (ANDRADE NETO, João. Direito eleitoral: precisamos de um direito eleitoral político antidiscriminatório. ConJur, 25 abr. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-abr-25/direito-eleitoral-precisamos-direito-eleitoral-politico-antidiscriminatorio/. Acesso em: 24 out. 2025), e se verifica das ideias defendidas nas teses de de Pedro Henrique Costa e Nathalia Mariel. OLIVEIRA, Pedro Henrique Costa de. Jurisdição eleitoral e a participação dos grupos . (Tese de Doutorado em Direito Constitucional) – Instituto de Direito Público, Brasília, 2025. Disponível em: https://repositorio.idp.edu.br/handle/123456789/5363. Acesso em: 24 out. 2025., ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA (ANPR). Procuradora Nathalia Mariel defende doutorado na Universidade Federal de Goiás com pesquisa sobre hermenêutica jurídica antidiscriminatória. ANPR Notícias, 30 set. 2025. Disponível em: https://www.anpr.org.br/comunicacao/noticias/procuradora-nathalia-mariel-defende-doutorado-na-universidade-federal-de-goias-com-pesquisa-sobre-hermeneutica-juridica-antidiscriminatoria. Acesso em: 24 out. 2025.




