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12/11/2025Por Fernanda Valone Esteves, Gabriella Franson e Silva
A LC nº 219/2025, ao promover alterações na Lei da Ficha Limpa (LC n° 64/90), equacionou uma tensão histórica entre a defesa da moralidade administrativa e a garantia dos direitos políticos enquanto direitos fundamentais. Dentre as providências adotadas, a nova legislação redefiniu os critérios para a incidência de inelegibilidade fundada em condenação por improbidade administrativa, alterando a redação da alínea ‘l’ do inciso I do artigo 1º.
Embora o texto anterior da Lei da Ficha Limpa já exigisse a condenação por ato doloso que cumulativamente gerasse lesão ao erário e enriquecimento ilícito, a nova redação solidificou essa interpretação e avançou, impondo que deverá constar, “concomitantemente, na parte dispositiva da decisão“, a lesão ao patrimônio público e o enriquecimento ilícito.
As condutas relacionadas ao enriquecimento ilícito estão previstas no artigo 9˚ da Lei 8.429/92, e o enriquecimento ilícito não se presume [1]. Por outro lado, os atos que trazem dano ao patrimônio público estão descritos no artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, também através de um rol exemplificativo.
Na área eleitoral, só ato doloso demonstra improbidade
A partir disso, a simples inclusão da expressão “na parte dispositiva da decisão” trouxe uma mudança significativa para o cenário eleitoral. Isso porque, antes, a Justiça Eleitoral estava autorizada a extrair dos fundamentos da decisão condenatória proferida pela Justiça Comum os requisitos necessários para configuração da inelegibilidade, ainda que não constassem de forma expressa na parte dispositiva [2]. Com essa alteração, a análise da Corte Eleitoral ficará restrita à parte dispositiva.
Assim, a restrição à capacidade eleitoral passiva somente ocorrerá se a parte dispositiva da decisão indicar expressamente que a condenação decorreu de ato doloso de improbidade administrativa que resultou simultaneamente em enriquecimento ilícito e dano ao erário. É justamente nesse ponto que reside a principal problemática.
Isso porque, em 2021, a Lei de Improbidade Administrativa foi substancialmente alterada pela Lei nº 14.230/2021. Dentre as inovações, o artigo 17, § 10-D determinou que, para cada ato de improbidade administrativa, deverá ser indicado necessariamente apenas um tipo dentre aqueles previstos nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA.
Revogação da inelegibilidade
Diante desse contexto, questiona-se: haveria uma revogação tácita da causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, ‘l’, da LC 64/90?
A resposta parece ser afirmativa, haja vista que a parte dispositiva da decisão das ações ajuizadas após a vigência da Lei nº 14.230/2021 não irá mais dispor, concomitantemente, sobre lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito
Ainda, para os casos em que a condenação se deu em momento anterior às alterações da LIA, faz necessário interpretar a alínea ‘l’ do inciso I do artigo 1º em conjunto com o §4°-B, também trazido pela LC nº 219/2025, que trata sobre o dolo necessário para a incidência da inelegibilidade.
O novo diploma passou a entender o elemento subjetivo como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado exclusiva e cumulativamente nos arts. 9º e 10 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), não bastando a voluntariedade do agente”.
Enriquecimento ilícito não se presume
Nesse contexto, pode-se afirmar que a incidência da inelegibilidade decorrente das práticas previstas no artigo 10 tende a se tornar praticamente inexistente. A razão é simples: a intenção de causar lesão ao patrimônio público não está, necessariamente, vinculada ao enriquecimento ilícito, ao passo que a intenção de obter vantagem indevida, em regra, está associada ao dano ao erário. Ora, enriquecimento ilícito não se presume.
A partir dessas premissas, conclui-se que, diante da exigência cumulativa dos requisitos expressos na parte dispositiva das decisões, aliada à necessidade de comprovação do dolo específico na prática dos dois ilícitos, elevou-se o patamar para a configuração da inelegibilidade, tornando-a uma medida excepcional — senão inviável —, e não uma consequência automática de qualquer condenação por improbidade administrativa.
Referências
[1] HACHEN, Daniel Wunder; FARIA, Luzardo. Improbidade administrativa, Inelegibilidade e a aplicação do art. 1˚, I, “l” da Lei Complementar n˚ 64/1990 pela Justiça Eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Elegibilidade e inelegibilidades. Belo Horizonte: Fórum, 2018, pg. 433.
[2]TSE – REspe no 9707/PR – PSS 19-12-2016; TSE – AgR-AI no 41102/MG – DJe 7-2-2020.
[3]“1. A incidência da inelegibilidade prevista na alínea l do inciso I do art. 1o da LC no 64/90 não pressupõe o dolo direto do agente que colaborou para a prática de ato ímprobo, sendo suficiente o dolo eventual, presente na espécie. 2. É prescindível que a conduta do agente, lesadora do patrimônio público, se dê no intuito de provocar, diretamente, o enriquecimento de terceiro, sendo suficiente que, da sua conduta, decorra, importe, suceda, derive tal enriquecimento, circunstância que, incontroversamente, ocorreu no caso dos autos. […]” (TSE – RO no 237.384).




