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O recesso parlamentar terminou no dia 31 de julho. Uma das questões que tem intrigado o Direito Parlamentar é o retorno de Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde quando pediu sua licença parlamentar para tratar de interesses particulares. Passado o período máximo de 120 dias, o deputado “filho 03” do ex-presidente deve retornar às atividades parlamentares. No entanto, Eduardo Bolsonaro tem se pronunciado afirmando que permanecerá nos Estados Unidos.
Caso o deputado não retorne ao Brasil, tem-se levantado a possibilidade da perda de seu mandato por ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, na aplicação do artigo 240, III, §2º, do Regimento Interno da Casa.
Isso porque, nos termos da norma interna corporis, perde o mandato o deputado que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa ordinária, à terça parte das sessões ordinárias da Câmara, salvo licença ou missão autorizada. Cabe destacar que o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (Resolução nº 17, de 1989) replica o texto constitucional de 1988, em específico, do inciso III do artigo 55.
Essa hipótese de perda do mandato parlamentar foi aplicada no caso do ex-deputado Chiquinho Brazão, em abril de 2025, situação em que a Mesa Diretora declarou a sanção nos termos do Ato da Mesa nº 170/2025.
À primeira vista, a perda do mandato por ausências nas sessões parece uma possibilidade bastante concreta. Porém, em análise ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados e às previsões dos atos parlamentares, possíveis fugas regimentais preocupam a ordem constitucional pensada dentro do Direito Parlamentar brasileiro.
Uma primeira fuga diz respeito à participação remota do deputado. Mesmo não retornando ao Brasil e ao Congresso, ainda será possível que Eduardo Bolsonaro registre presença e vote em determinadas situações por meio do aplicativo Infoleg. Desde 2020, com o Ato da Mesa n. 123, que regulamenta o Sistema de Deliberação Remota (SDR), a Câmara dos Deputados tem funcionado também no regime semi-presencial, dispensando a presença física dos parlamentares.
Uma segunda fuga burocrático-regimental é também consequência do uso do “Plenário Virtual”. Eduardo Bolsonaro poderá contar com a Presidência da Câmara, pois ao presidente compete excepcionar a exigência de presença no plenário físico da Casa parlamentar. Na última sessão legislativa (2024), por exemplo, Arthur Lira promoveu inúmeras alterações ao Ato da Mesa nº 123/2020 [1]. Por vezes, dispensou o registro da presença e, em outras ocasiões, exigiu o registro biométrico em plenário, possibilitando, assim, a manipulação tanto do quórum para início das sessões quanto o próprio cômputo das frequências dos deputados.
A terceira fuga é o tempo que o deputado terá até uma possível decisão da Mesa da Câmara. Eventual perda do mandato de Eduardo Bolsonaro por inassiduidade somente poderá ocorrer em 2026, de acordo com o Ato da Mesa nº 191/2017, que dispõe sobre os critérios de contabilização de presença nas sessões da Câmara. No caso, a Secretaria da Mesa terá até 5 de março de 2026 para apresentar os relatórios de frequência dos parlamentares.
Após o relatório que comprove que o deputado extrapolou o limite de ausências, o presidente da Câmara ainda deverá distribuir a matéria a membro da mesa. A perda do mandato não ocorre de forma automática, pois ao deputado ainda serão garantidos a ampla defesa e o contraditório.
E, neste ponto em específico, uma questão identificada nos atos regimentais e parlamentares praticados pela mesa proporciona uma quarta fuga propriamente jurídico-normativa, apegada à literalidade do texto regimental e constitucional.
De acordo com o Relatório de Estatística de Plenário referente ao período de 01/01/2024 a 20/12/2024, o número total de sessões realizadas pela Câmara dos Deputados foi 238. Porém, deste montante, 86 foram sessões deliberativas extraordinárias, três sessões extraordinárias — Comissão Geral e 149 foram sessões não deliberativas solenes. Portanto, tecnicamente, não houve nenhuma sessão ordinária em 2024 [2].
Lógica continua
A lógica continua neste ano de 2025, de modo que todas as sessões da Câmara dos Deputados são iniciadas como extraordinárias, de modo a suprimir a previsão do pequeno expediente e do grande expediente (artigo 66 do RICD) e, ao mesmo tempo, concentrando a sessão na Ordem do Dia prefixada pelo presidente da Casa (artigo 67 do RICD).
Isso importa porque o texto constitucional e a norma regimental se referem expressamente a “sessões ordinárias”. Entendendo a perda do mandato como sanção e o próprio exercício do mandato representativo como um direito fundamental, as interpretações devem ser restritivas e pautadas no princípio da legalidade.
O fato da Câmara dos Deputados funcionar somente com sessões extraordinárias abre, desde já, a possibilidade de questionamento por parte de Eduardo Bolsonaro no eventual processo de perda de mandato que se destine a fiscalizar sua presença. Um caminho regimental e escolhas do presidente da Câmara passam a possibilitar que o deputado drible o mandamento constitucional de perda de mandato.
No mundo regimental e dos atos parlamentares, nada acontece por acaso. Caso Eduardo Bolsonaro tenha a Presidência da Câmara a seu favor, será possível manipular as exigências de presença e seu mandato poderá ser preservado mesmo atuando nos Estados Unidos.
Uma última nota é necessária. Na história do Brasil, não é a primeira vez que deputados brasileiros atuam fora do território. Em 1821, deputados brasileiros participaram das Cortes Gerais e Constituinte de Portugal. O episódio foi marcado por um movimento que se negava à recolonização após 13 anos que dom João 6º esteve em território brasileiro [3].
Relatos históricos indicam que a presença do Brasil no Parlamento ultramar foi defendida para a garantia de seus interesses [4]. Ironicamente ou não, um dos principais embates entre brasileiros e portugueses se deu na possibilidade do rei suspender magistrados, centralizando essa competência na metrópole. Os deputados brasileiros consideravam que, se aprovada a proposta, seria caso de despojar a autoridade do Brasil.
O resultado, no entanto, foi a derrota brasileira no Parlamento português: “Passando-se à votação, que não foi nominal, o Congresso manteve o projeto, do qual resultava que não haveria em além-mar autoridade com atribuição de suspender os magistrados” [5]. Passados dois séculos, não é exagero dizer que retornam ideias de atuação de deputados brasileiros fora do território, suspender magistrados e recolonização.
[4] CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 160.
[5] CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 160.