
Unificar eleições coloca municipais em segundo plano e incentiva voto nulo
26/05/2025
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28/05/2025Por Leonardo Santos de Souza
Unificação das eleições ameaça a democracia ao enfraquecer a alternância de poder, reduzir o debate local e sobrecarregar o processo eleitoral brasileiro.
A recente aprovação da PEC – Proposta de Emenda à Constituição 12/22 na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, com suas propostas de unificação das eleições e extensão dos mandatos para cinco anos em todos os níveis, é um movimento que, disfarçado de modernização, representa um salto no escuro para a jovem e ainda em consolidação democracia brasileira. Vejo com profunda apreensão o caminho que essa PEC nos aponta.
A principal e mais grave consequência da PEC 12/2022 é o ataque direto à cláusula pétrea das eleições periódicas (art. 60, § 4º, II, CF/88). Reduzir o ciclo eleitoral para apenas duas eleições por década não é uma mera readequação de calendário; trata-se de uma distorção do próprio conceito de alternância de poder e de responsabilização democrática. As eleições periódicas são a essência da nossa democracia, permitindo que o eleitor exerça sua soberania, avalie o desempenho dos eleitos e promova as renovações necessárias. Estender os mandatos para cinco anos e reduzir a frequência dos pleitos fragiliza esse mecanismo vital, distanciando o governante do governado e criando espaço para a acomodação e a perda de sintonia com as demandas sociais, principalmente na esfera local.
Imagine o cidadão diante da urna eletrônica, tendo que eleger, de uma única vez: Presidente (e vice), Governador (e vice), três Senadores por unidade da federação, Deputado Federal, Deputado Estadual, Prefeito (e vice) e Vereador. Isso significa digitar o voto nove vezes, sem contar os respectivos vices e suplentes. Essa “super eleição” é uma receita para a sobrecarga informativa e a diluição do voto. A capacidade de análise e discernimento do eleitor será comprometida diante de tamanha profusão de candidaturas e cargos, levando a um voto menos qualificado e mais suscetível a ondas emocionais ou a campanhas com maior poderio financeiro e visibilidade – em detrimento de propostas concretas e da análise do perfil dos candidatos.
A unificação do pleito trará um impacto devastador para as eleições no âmbito municipal. Atualmente, as eleições municipais, com seu foco exclusivo nos problemas locais, permitem que prefeitos e vereadores – os representantes mais próximos da população – tenham suas pautas debatidas e suas propostas conhecidas. Com a PEC 12/22, o cenário eleitoral seria dominado pelos grandes temas nacionais e estaduais, e as campanhas municipais seriam ofuscadas, relegadas a um segundo plano na mídia e no debate público.
Essa invisibilidade representa um golpe mortal para o surgimento e a consolidação de novas lideranças, especialmente nas cidades. Sem espaço para apresentar suas ideias e sem a devida atenção, candidatos locais inovadores e com novas propostas teriam seu caminho bloqueado pelo monopólio do noticiário e da propaganda eleitoral em nível nacional e estadual. Isso, por sua vez, pode perpetuar os mesmos grupos políticos no poder, dificultando a renovação e a representatividade em nível local.
A questão da fiscalização por parte da Justiça Eleitoral e do Ministério Público é outro ponto de enorme preocupação. Com um quadro já deficitário de servidores, membros do MP e juízes eleitorais, a organização e fiscalização de um pleito de proporções gigantescas representaria um desafio hercúleo, beirando a inviabilidade. A pulverização da atenção e dos recursos facilitaria a ocorrência de irregularidades e dificultaria a apuração célere, comprometendo a lisura do processo eleitoral.
E a tão festejada redução de gastos? É uma promessa que deve ser vista com ceticismo. Com base nos dados do TSE, em 2024 tivemos 463.394 candidaturas apenas para prefeito e vereador. Se somarmos a esse número as aproximadamente 30 mil candidaturas do pleito de 2022 (Presidente, Governadores, Senadores e Deputados) nos leva a um universo de quase 500 mil candidaturas em uma única eleição. Será que os gastos com fundos públicos para financiamento de campanha realmente seriam reduzidos em uma eleição tão massiva? É mais provável que a demanda por recursos – para alcançar um eleitorado tão vasto e para nove cargos simultaneamente – se eleve exponencialmente, tornando essa “economia” uma ilusão perigosa.
Por fim, é crucial questionar se a democracia brasileira possui maturidade suficiente para suportar tantos revezes e mudanças de regras em tão pouco tempo. Desde a redemocratização, o sistema eleitoral brasileiro tem sido palco de infindáveis alterações – muitas das quais trouxeram mais prejuízos do que avanços -, gerando um cenário de instabilidade e imprevisibilidade constante. Essas mudanças, sem um horizonte de pacificação, contribuem para o cansaço do eleitor e para a desconfiança nas instituições públicas e nos próprios candidatos. A PEC 12/22, em vez de buscar a estabilidade e o aprimoramento contínuo, insere mais uma variável de incerteza em um sistema que clama por consolidação.
O cenário é, de fato, preocupante. Torcemos para que esta proposta, que compromete pilares fundamentais da nossa democracia, não avance para as próximas etapas legislativas. Contamos com a sobriedade e a maturidade dos nossos congressistas em Brasília para que, ao ponderarem sobre o futuro do sistema eleitoral brasileiro, prevaleçam os princípios democráticos e a valorização da participação cidadã – e não uma falsa e sedutora ideia de eficiência que pode custar caro demais à nossa jovem e ainda frágil democracia.