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Marco da legislação eleitoral brasileira, a Lei da Ficha Limpa completa 15 anos cercada por debates sobre sua aplicação, seus efeitos jurídicos e políticos e o equilíbrio entre moralidade pública e direitos fundamentais
Aprovada pelo Congresso Nacional em 2010 e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Complementar nº 135, conhecida como Lei da Ficha Limpa, completa 15 anos de vigência em junho. O texto, que teve aprovação unânime no Senado Federal, foi resultado de uma intensa mobilização social por maior moralidade na política e ampliou de forma significativa as hipóteses de inelegibilidade, tornando-se um marco no processo eleitoral brasileiro.
Mas passada uma década e meia desde a sua promulgação, o debate em torno da Lei da Ficha Limpa permanece atual. Integrantes da ABRADEP analisam os impactos da norma sob diferentes perspectivas: o reconhecimento de sua importância como instrumento de moralização da política e as críticas ao que se entende como judicialização excessiva e mitigação da soberania popular.
Segurança jurídica e parâmetros objetivos
Para a servidora da Justiça Eleitoral Jamile Ton Kuntz, integrante da ABRADEP, é preciso reconhecer a relevância institucional e simbólica da Ficha Limpa. Ela ressalta que a lei trouxe parâmetros mais objetivos à atuação da Justiça Eleitoral, o que conferiu maior segurança jurídica ao processo de registro de candidaturas.
“Embora a Lei da Ficha Limpa seja alvo de muitas críticas, temos que reconhecer a importância de um instrumento normativo que estabelece de forma objetiva os critérios a serem avaliados pela Justiça Eleitoral ao restringir a elegibilidade de um cidadão em razão da aplicação do princípio da moralidade”, defende.
Jamile recorda que a edição da lei, fruto de uma iniciativa popular com mais de 1,6 milhão de assinaturas, ocorreu em um momento em que a sociedade exigia respostas mais rigorosas do Judiciário frente aos escândalos de corrupção. Ainda que tenha ressalvas a critérios adotados pelo legislador, ela defende a existência de uma norma clara para evitar decisões arbitrárias e conflitos jurisprudenciais.
“A existência de uma lei regulamentando a matéria confere maior segurança jurídica àqueles que pretendem concorrer”, ressalta.
Ela reconhece, no entanto, que nem todas as distorções foram resolvidas desde a promulgação da lei. A contagem do prazo de inelegibilidade, em algumas hipóteses, ainda gera insegurança jurídica. “É inegável que os ajustes ocorridos nos últimos 15 anos foram insuficientes para equalizar algumas distorções, especialmente quanto à contagem do prazo de inelegibilidade”, aponta.
Crítica à judicialização e à exclusão política
Por outro lado, o advogado e doutor em Direito Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, também membro da ABRADEP, apresenta uma visão crítica e contundente em relação à Lei da Ficha Limpa. Segundo ele, a norma representa “a maior violência contra os direitos políticos desde o AI-5” e deveria ser revogada.
“Vive-se hoje um modelo de inelegibilidade da Ditadura Militar inaugurado pela EC 4/94, que traiu a fundamentalidade dos direitos políticos com a redação original da Constituição”, afirma, se referindo à Emenda Constitucional que alterou o texto do artigo 14 da Constituição Federal, especialmente onde trata da possibilidade de se estabelecer restrições à elegibilidade com base na “vida pregressa” e na “moralidade para o exercício do cargo”.
Peregrino sustenta que a norma impõe restrições fundadas em decisões administrativas, políticas ou mesmo em presunções, sem a exigência de condenação penal definitiva, o que violaria o artigo 23 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Para ele, a Lei da Ficha Limpa promove uma “infantilização do eleitor” e revela um “medo do povo” por parte do sistema político e judiciário.
“O eleitor passou a ser infantilizado, como se precisasse ser tutelado por juízes e promotores. Essa é uma visão profundamente aristocrática, mas a democracia é o regime do domínio do povo — e não dos candidatos cândidos”, pontua.
O advogado também critica a linearidade do prazo de inelegibilidade de oito anos e a falta de proporcionalidade entre a conduta e a sanção. Para ele, a multiplicação de hipóteses de inelegibilidade permite perseguição de opositores e minorias, o que desconstitui mandatos legitimados pelo voto.
“Não há democracia no mundo que casse tantos candidatos. Cassamos mais em cada eleição do que em toda a Ditadura Militar”, afirma. E conclui: “O pior é que não tem funcionado.”
Segundo dados da Transparência Internacional citados por ele, o Brasil manteve o pior patamar da série histórica do Índice de Percepção da Corrupção desde 2012, ocupando a 106ª posição entre 180 países. Ele argumenta que o Direito Eleitoral não deve ser usado como ferramenta de combate à corrupção e que “a moralidade é sempre má conselheira”.

Jamile Ton Kuntz e Marcelo Ramos Peregrino Ferreira, integrantes da ABRADEP
15 anos depois: o que permanece em debate
Apesar das posições divergentes, os membros da ABRADEP concordam que a aplicação da lei ainda enfrenta desafios importantes. A necessidade de ajustes normativos — sem descaracterizar os princípios que a fundamentam — permanece no centro do debate jurídico e legislativo.
Aos 15 anos, a Lei da Ficha Limpa segue como um dos dispositivos mais emblemáticos e controversos do sistema eleitoral brasileiro. Entre o ideal de moralização da política e os riscos de restrição indevida à soberania popular, os desafios para promover uma democracia robusta, garantista e representativa permanecem.