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16/09/2025Por Marina Morais
Nos últimos anos, vimos surgir uma avalanche de conteúdos criados por IA – inteligência artificial que imitam rostos, vozes, trejeitos e até sentimentos humanos. Popularmente conhecidos como deepfakes, esses conteúdos evoluíram a passos largos, saindo da fase experimental para se tornarem um desafio real – especialmente para o Direito Eleitoral.
O que era deepfake e o que virou?
No início, só se chamava deepfake aquilo que partia de um conteúdo pré-existente: uma imagem, um vídeo ou um áudio reais serviam de base para gerar algo novo e modificado. A lógica era: pegar um material original e, com a ajuda da IA, transformá-lo – mudando o rosto de alguém, sincronizando lábios com falas diferentes ou manipulando expressões corporais.
Mas o cenário mudou. Hoje, com a IA generativa, já é possível criar conteúdos falsos do zero, sem a necessidade de um material base específico. Basta treinar um sistema com diversos dados públicos – como vídeos no YouTube, entrevistas ou falas em redes sociais – e ele pode “reconstruir” uma imagem ou voz, criando o que chamamos de mídia sintética totalmente artificial (FSM – Fully Synthetic Media).
A metáfora do “ovo e da galinha” ilustra bem essa transformação: se antes era preciso o “ovo” para gerar a “galinha”, agora já temos galinhas aparecendo do nada, formadas por dados dispersos, códigos e redes neurais. E essas galinhas – bem treinadas – podem cacarejar verdades ou mentiras com a mesma aparência de realidade.
Como o Direito Eleitoral lida com isso?
A legislação eleitoral brasileira se apressou em tentar responder a essa novidade, especialmente com a inclusão dos arts. 9º-B e 9º-C na resolução de propaganda eleitoral, que tratam diretamente do uso de conteúdos criados por IA na propaganda eleitoral.
Segundo o art. 9º-B, qualquer uso de IA para criar, alterar ou mesclar sons e imagens em campanhas eleitorais deve ser explicitamente informado. A regra é clara: o público precisa saber que aquele conteúdo foi manipulado por tecnologia. Já o art. 9º-C vai além e proíbe o uso de conteúdos falsos ou descontextualizados que possam desequilibrar a disputa ou afetar a integridade do processo eleitoral.
Em resumo, o foco está no risco de enganar o eleitor e criar vantagens artificiais para alguns candidatos.
Definir ou julgar: O que é, afinal, uma deepfake?
Esse debate nos leva a outro ponto importante: como devemos definir “deepfake”?
Há duas possibilidades. A primeira, considera qualquer conteúdo sintético gerado por IA como deepfake, sem se preocupar com o uso que se faz dele. A segunda, define deepfake como o uso malicioso da IA – ou seja, apenas quando a tecnologia é usada para enganar, manipular ou prejudicar.
A segunda definição tem suas vantagens: ajuda a proteger os bons usos da tecnologia (como vídeos educativos, sátiras e homenagens), evita o alarmismo e reforça o princípio da intervenção mínima do Direito – especialmente no campo penal e sancionador.
No entanto, o TSE – Tribunal Superior Eleitoral preferiu adotar, ao menos por enquanto, uma abordagem mais cautelosa.
Essa escolha faz sentido. Estamos falando de uma tecnologia com alto potencial de desequilíbrio, cujo acesso ainda é limitado a quem tem mais recursos e conhecimento técnico. Proteger a igualdade de oportunidades entre os candidatos e prevenir a confusão do eleitor são preocupações legítimas – mesmo que, no futuro, o caminho ideal seja afunilar o conceito e regular apenas os usos danosos.
Conclusão
O avanço das deepfakes e da IA generativa muda não só a forma como consumimos informação, mas também como pensamos o direito à imagem, à verdade e à igualdade em disputas eleitorais. A tecnologia não é, por si só, boa ou má – o que importa é como a usamos e com quais efeitos.
Se a galinha já nasce sem ovo, o Direito precisa, ao menos, garantir que ela não bote mentiras travestidas de verdades no ninho da democracia.