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01/12/2025Por Sérgio Melo
A interpretação consolidada do TSE garante segurança jurídica, define prazos e legitimidade das coligações e sustenta decisões que orientam todo o processo democrático.
A interpretação consolidada do TSE garante segurança jurídica, define prazos e legitimidade das coligações e sustenta decisões que orientam todo o processo democrático.
Introdução
A jurisprudência baliza os entendimentos dos tribunais e, com isso, fortalece a segurança jurídica. Na seara eleitoral, muitos julgados têm como fundamento principal a utilização da jurisprudência.
O presente trabalho, partindo da análise da jurisprudência, visa demonstrar a importância desse mecanismo, que reúne diversas interpretações sobre determinado fato ou norma.
Não raras vezes, processos ajuizados por partidos políticos ou por candidatos coligados (em eleições majoritárias) eram extintos sem julgamento do mérito.
A legislação eleitoral em vigor (lei 9.504/97) traz comandos normativos que servem de base. No entanto, nem toda norma eleitoral responde de forma satisfatória a determinadas questões, sendo a jurisprudência o mecanismo de elucidação.
Foram analisados casos em que o TSE julgou, seja por maioria, seja por unanimidade, questões que até então contavam com conjuntos de decisões – conflitantes ou não -, tornando-as pacificadas e, consequentemente, consolidando-as como jurisprudência.
- Conceito Direito Eleitoral/AIJE/Coligação
Nos últimos anos, é nítido o crescimento da procura por advogados, estudiosos, julgadores (juízes e desembargadores) e promotores que atuam no ramo especializado da Justiça Eleitoral.
O doutrinador e procurador regional da República Roberto Moreira de Almeida conceitua esse ramo da seguinte forma:
“Conceituamos o Direito Eleitoral como o ramo do Direito Público constituído por normas e princípios disciplinadores do alistamento, da convenção partidária, do registro de candidaturas, da propaganda política, da votação, da apuração e da diplomação dos eleitos, bem como das ações, medidas e demais garantias relacionadas ao exercício do sufrágio popular.” (p. 45, 17ª edição – Curso de Direito Eleitoral, Ed. Juspodivm)
Como todo ramo do Direito, a seara eleitoral também possui suas fontes. Utilizando como premissa o pensamento de Roberto Moreira, elas podem ser classificadas como fontes diretas e fontes indiretas.
A fonte direta, como base, advém da Constituição Federal Brasileira. Por arrastamento, também são fontes diretas o Código Eleitoral (lei 4.737/1965 e suas alterações), a lei das inelegibilidades (LC 64/1990), a lei das eleições (lei 9.504/1997), entre outras.
Já as fontes indiretas são aquelas normas aplicáveis subsidiariamente, destacando-se o CC e o CPC, o CP e o CPP, além das resoluções do TSE e as respostas às consultas eleitorais.
Quanto à expansão da atuação normativa do TSE, Moreira observa:
“Na prática, todavia, tem-se observado crescente expansão da atividade regulamentar do TSE, com a edição de resoluções com conteúdo de norma autônoma não emanada do Congresso Nacional, o que fez, certamente, alguns doutrinadores classificarem tais atos normativos como fontes primárias ou diretas do Direito Eleitoral.” (p. 53)
A jurisprudência é fonte do Direito? Há autores que defendem que ela é fonte jurídica, ainda que de forma subsidiária, enquanto outros negam essa classificação.
Recordemos as lições de Teoria Geral do Direito. Miguel Reale, na obra Lições Preliminares de Direito, define jurisprudência: “Pela palavra ‘jurisprudência’ (stricto sensu) devemos entender a forma de revelação do Direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.” (p. 167)
Importante também a lição de Paulo Nader, em Introdução ao Estudo do Direito:
“A jurisprudência cria o Direito?
Para os ordenamentos jurídicos filiados ao sistema anglo-americano, a jurisprudência constitui uma importante forma de expressão do Direito. […]
Nos Estados que seguem a tradição romano-germânica, a cujo sistema se vincula o Direito brasileiro, prevalece o entendimento de que o papel da jurisprudência limita-se a revelar o Direito preexistente. […]
Admitimos para a jurisprudência, no sistema continental, apenas a condição de fonte indireta, que influencia na formação das leis, por seu conteúdo doutrinário.” (pp.177-178)
É plenamente possível enquadrar a jurisprudência eleitoral brasileira em um sistema jurídico misto: parte derivado do Common Law (dos precedentes) e parte estruturada no Civil Law (baseado nos códigos e leis escritas).
Diante disso, entende-se que a jurisprudência eleitoral pode ser considerada fonte direta do Direito Eleitoral.
Ainda que inicialmente o TSE aplique determinado entendimento, há possibilidade de o legislador – em sua função típica – editar texto normativo correspondente ou, mesmo diante de eventual inércia legislativa, caberá ao Tribunal esclarecer as questões divergentes, sempre com a finalidade de garantir a segurança jurídica, evitando alterações abruptas que gerem insegurança e tensões.
O CPC/15, em seu art. 926, preconiza: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”
A jurisprudência é, portanto, um mecanismo de compreensão das normas em relação aos fatos, isto é, uma ferramenta de aplicação e interpretação técnica – uma fonte interpretativa, que muitas vezes parte de uma visão dedutiva até alcançar uma conclusão indutiva.
A AIJE – Ação de Investigação Judicial Eleitoral, utilizada como exemplo neste artigo, é um instrumento que visa resguardar o princípio da lisura das eleições, com as finalidades específicas de coibir abuso de poder político, abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
Nas palavras do doutrinador Roberto Moreira de Almeida, “a AIJE tem por finalidade preservar o equilíbrio entre os candidatos em disputa por cargo eletivo”.
A coligação é uma das formas pelas quais partidos podem se unir para disputar eleições majoritárias em determinada abrangência regional. Elas surgem no ano eleitoral, precisamente nas convenções partidárias, que ocorrem entre 20 de julho e 5 de agosto.
A dúvida levantada é: qual é a data de extinção de uma coligação?
A resposta a essa pergunta facilita a compreensão do prazo e da legitimidade para o ajuizamento de uma AIJE por uma coligação – questões que, sem dúvida, estão diretamente relacionadas.
2. O que diz a legislação/jurisprudência?
A legitimidade ativa e passiva para o ajuizamento da AIJE pode ser atribuída aos partidos políticos, às coligações, aos candidatos ou pré-candidatos (escolhidos em convenção), bem como ao Ministério Público Eleitoral.
O art. 6º da lei das eleições (lei 9.504/1997) disciplina que é facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleições majoritárias. Importante observar o §1º do referido artigo:
§ 1º A coligação terá denominação própria, que poderá ser a junção de todas as siglas dos partidos que a integram, sendo a ela atribuídas as prerrogativas e obrigações de partido político no que se refere ao processo eleitoral, devendo funcionar como um só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses interpartidários.
[…]
§ 3º Na formação de coligações devem ser observadas, ainda, as seguintes normas:
I – na chapa da coligação podem inscrever-se candidatos filiados a qualquer partido político dela integrante;
II – o pedido de registro dos candidatos deve ser subscrito pelos presidentes dos partidos coligados, por seus delegados, pela maioria dos membros dos respectivos órgãos executivos de direção ou por representante da coligação, na forma do inciso III;
III – os partidos integrantes da coligação devem designar um representante, que terá atribuições equivalentes às de presidente de partido político, no trato dos interesses e na representação da coligação perante o processo eleitoral;
IV – a coligação será representada perante a Justiça Eleitoral pela pessoa designada na forma do inciso III ou por delegados indicados pelos partidos que a compõem, podendo nomear até:
- a) três delegados perante o Juízo Eleitoral;
- b) quatro delegados perante o TRE;
- c) cinco delegados perante o TSE.
§ 4º O partido político coligado somente possui legitimidade para atuar de forma isolada no processo eleitoral quando questionar a validade da própria coligação, durante o período compreendido entre a data da convenção e o termo final do prazo para a impugnação do registro de candidatos. (Incluído pela lei 12.034/09)
O TSE possui entendimento pacificado de que partidos políticos coligados não podem ajuizar AIJE – ou outra ação eleitoral – de forma isolada durante o curso do processo eleitoral. Veja-se o julgado:
“Eleições 2016 […] Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. […] Ilegitimidade ativa. Partido político coligado. Propositura da demanda no curso do processo eleitoral. […] 1. O Tribunal de origem asseverou que o partido integrou coligação tanto para o pleito proporcional como para o majoritário, propondo, individualmente, a ação eleitoral ao final de setembro do ano da eleição municipal, ou seja, durante o curso do processo eleitoral, o que evidencia a sua ilegitimidade ativa. 2. A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR É PACÍFICA NO SENTIDO DE QUE O PARTIDO POLÍTICO COLIGADO NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA ATUAR DE FORMA ISOLADA NO CURSO DO PROCESSO ELEITORAL, O QUE ABRANGE, INCLUSIVE, AS AÇÕES ELEITORAIS DE CASSAÇÃO. Tal capacidade processual somente se restabelece após o advento do pleito e em observância à preservação do interesse público. […] 4. Ainda que a legitimidade do partido seja a regra […], fato é que, caso seja celebrada coligação para atuação no processo eleitoral, a legitimidade, durante a campanha, fica reservada a ela, e não aos partidos coligados individualmente.” (Ac. de 31/8/2017 no AgR-AI 50355, rel. min. Admar Gonzaga.)
Esse entendimento consolidou-se e foi reafirmado em julgados recentes (2025), ambos de relatoria do ministro André Mendonça:
“Eleições 2024. […] RRC. Prefeito eleito. Insurgência recursal por partido coligado. Impossibilidade de atuação isolada durante o curso do período eleitoral. SÓLIDA JURISPRUDÊNCIA. […] 1. A jurisprudência do TSE é firme quanto à impossibilidade de o partido político coligado atuar isoladamente no curso do processo eleitoral, o que acarreta sua ilegitimidade ativa para a ação de impugnação de registro de candidatura e para a interposição de recursos […].” (Ac. de 27/2/2025 no AgR-REspE 060015682, rel. min. André Mendonça).
“Eleições 2024 […] AIRC. Candidata a prefeito. Ação proposta isoladamente por partido integrante de federação. Ilegitimidade ativa. Impossibilidade de atuação isolada. […] 1. Nos termos da legislação e da jurisprudência, a federação partidária atua como unidade partidária única em todas as circunscrições e para todos os sistemas eleitorais. Logo, não há legitimidade ativa do partido federado para propor, isoladamente, ação de impugnação de registro de candidatura.” (Ac. de 20/2/2025 no AgR-REspEI 060072295, rel. min. André Mendonça).
3. Quando se extingue a coligação?
Se o marco inicial para o ajuizamento de uma AIJE é a data do pedido de registro de candidatura, e seu marco final é o dia da diplomação, é correto afirmar que a coligação se extingue na data da diplomação?
Entendo que a coligação se extingue na data da diplomação. O próprio art. 6º da lei das eleições, ao disciplinar que as coligações funcionarão no processo eleitoral, permite compreender que o período de atuação da coligação abrange desde o pedido de registro até o encerramento do pleito – que se concretiza com a diplomação (19 de dezembro, conforme resolução TSE 23.738/24 – Calendário das Eleições 2024) – e não apenas até a data da votação.
A jurisprudência do TSE consolida esse entendimento. Veja-se:
“Eleições 2020. […] Ação de investigação judicial eleitoral. Prefeito e vice-prefeito. Abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio. […] 1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, […] ‘as coligações se extinguem com o fim do processo eleitoral, delimitado pelo ato de diplomação dos eleitos, momento a partir do qual os partidos coligados voltam a ter capacidade processual para agir isoladamente. Precedentes’. […]” (Ac. de 13/4/2023 no AgR-REspEl 060040225, rel. min. Carlos Horbach; no mesmo sentido, Ac. de 10/3/2015 no REspe 138, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura.)
Assim, tanto a interpretação sistemática da legislação quanto a orientação pacificada do TSE confirmam que a coligação somente se extingue com a diplomação, sendo esse o marco que restabelece a capacidade processual individual dos partidos coligados.
Conclusão
O Direito Eleitoral precisa respirar a sua identidade como ramo especializado do ordenamento jurídico brasileiro.
A jurisprudência como fonte direta, torna este ramo da justiça, apto para o alcance aos sistemas jurídicos do Commow Lawl e Civil Law, denominando na conjuntura brasileira, como sistema misto.
É ela que conduz muitas das vezes a base de fundamentação seja pela via de uma peça inicial, com contestação, seja pela via de um parecer ministerial, bem como por uma sentença ou acórdão.
Como demonstração prática, o presente artigo de opinião discorreu sobre a força da jurisprudência na seara eleitoral, usando casos práticos do seu uso quanto aos prazos e legitimidade para ajuizamento de ações eleitorais pelas coligações no período eleitoral.
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Referências
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. 17. ed. São Paulo: Juspodivm, 2024.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRASIL. Lei nº 9.504/1997. Lei das Eleições. Acesso em: 29 ago. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm
______. Lei Complementar nº 64/1990. Lei das Inelegibilidades. Acesso em: 29 ago. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm
______. Lei nº 13.105/2015. Código de Processo Civil. Acesso em: 29 ago. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução TSE nº 23.738/2024. Calendário Eleitoral. Acesso em: 29 ago. 2025.




