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06/10/2025Por Renata Desplanches e Amanda Cunha
A acusação contra o ex-prefeito João Dória aceita pelo STJ chama a atenção para os limites da publicidade institucional pelos políticos.
O STJ admitiu recentemente o prosseguimento de uma ação de improbidade administrativa contra João Doria, ex-prefeito da cidade de São Paulo. O Ministério Público o acusa de ter utilizado a publicidade institucional da prefeitura, financiada com recursos públicos, para fortalecer sua imagem pessoal.
Apesar de ter ocorrido somente a admissão da ação, ou seja, autorização para o prosseguimento do processo, sem qualquer análise do mérito das acusações em si, já foi suficiente para acender um alerta imediato entre agentes públicos e profissionais de comunicação de todo país. Isso porque se trata de uma apuração de práticas que têm se tornado comuns na política, envolvendo um político conhecido no cenário nacional e especialmente pela gravidade das possíveis consequências.
O processo ainda seguirá todo o trâmite de análise de provas e fundamentos jurídicos, mas o impacto simbólico foi grande. Muitos agentes públicos estão preocupados, e com razão, de que qualquer ação de comunicação institucional possa ser confundida com promoção pessoal. Apesar de o receio ser compreensível, é exagerado e explicaremos o porquê.
Quando a publicidade institucional vira promoção pessoal nas redes sociais
O ponto de partida para compreender o que está em jogo é saber que a Constituição Federal veda expressamente a promoção pessoal de autoridades e servidores em publicidade financiada com recursos públicos (art. 37, §1º). Além disso, nossa Constituição coloca como princípio de toda Administração pública o dever de impessoalidade. O objetivo é claro: garantir que a comunicação institucional seja instrumento de informação ao cidadão e dos atos de mandato e não de exaltação e promoção do governante.
Antes, rádio e televisão eram os principais meios reconhecidos pela legislação, mas hoje tanto a nossa vida, quanto as instituições públicas e os políticos precisam se comunicar também por meio das redes sociais.
Na política isso tem tomado sobremaneira destaque, tendo em vista que campanhas e políticos hoje se estruturam, compõem narrativas e se consolidam por meio dessa comunicação digital que alcança milhões de eleitores com rapidez e intensidade.
Mesmo fora do período eleitoral, todo ato de governo precisa observar as regras legais e o mandamento constitucional da impessoalidade. A fiscalização acontece no âmbito administrativo e penal, podendo acarretar em ações de improbidade e até mesmo ações penais. Estas, por sua vez, ainda que não haja um reflexo eleitoral instantâneo, podem atrair inelegibilidades que impedem que os condenados concorram novamente.
Ou seja, a conduta de todo e qualquer agente público pode ser questionada a qualquer tempo – exatamente como está acontecendo no processo envolvendo o ex-prefeito Dória. Essa dupla vigilância, administrativa e eleitoral, reforça a exigência de clareza, objetividade e responsabilidade na comunicação institucional.
O paralelo eleitoral: Abuso de poder político
Ainda que no caso Dória o reflexo eleitoral, se houver uma condenação por improbidade, seja posterior, cabe alertar para as consequências se isso estivesse acontecendo em período eleitoral.
Aquilo que na esfera civil-administrativa pode configurar improbidade, na seara eleitoral caracteriza abuso de poder político e de autoridade, acarretando em multa e cassação do registro de candidatura ou do próprio mandato, a depender do momento em que a ação for julgada.
Se ainda restar comprovado que a publicidade institucional irregular foi grave a ponto de desequilibrar a disputa eleitoral de forma ilegal, ainda pode acarretar a inelegibilidade do agente público.
Esse é o paralelo inevitável que toda pessoa num cargo público deve fazer: quando a publicidade estatal deixa de cumprir sua função informativa e passa a enaltecer a figura do governante, surgem dois riscos simultâneos. O do campo administrativo, em que a qualquer tempo pode haver a configuração de improbidade por violação ao princípio da impessoalidade; e, o outro, no campo eleitoral, em que o cometimento da conduta em período eleitoral pode gerar a caracterização de abuso de poder político.
Então o político não pode fazer divulgação de atos de sua gestão?
A resposta para esse legítimo questionamento é sim! O agente público pode e deve prestar contas de sua gestão e pode divulgar, sem dúvida alguma, inclusive nas suas redes pessoais, atos de seu governo.
O problema todo está em fazê-lo com recursos públicos e/ou valendo-se da estrutura de comunicação governamental paga com estes recursos e que deve observar a impessoalidade.
Sem entrar no mérito do alegado na ação de Dória e das provas juntadas, qualquer ação que acuse algum político de improbidade e/ou abuso de poder político por conta de uso ilegal destas verbas deve demonstrar que houve, de fato, um aproveitamento da máquina pública em seu favor.
Ora, seria irrazoável e absolutamente arbitrário cercear o mandatário de falar sobre sua atuação pública no seu próprio canal. Ainda mais hoje, em que, num cenário pós-pandemia, muitas pessoas se acostumaram a buscar informação direta em perfil de gestores.
Todo processo sancionador que leve especialmente à consequências tão gravosas, precisa observar a razoabilidade e proporcionalidade.
Por outro lado, gestores e comunicadores devem se lembrar de que, enquanto agentes públicos manuseando e sendo remunerados com verbas públicas, têm obrigações legais para cumprir.
É um direito dos eleitores e de todos os cidadãos que os recursos públicos que são gerados por eles sejam destinados a finalidades públicas e não pessoais.
O que aprender com o caso?
Independente do desfecho, a decisão do STJ no caso Doria não deve ser lida como criminalização da comunicação institucional, mas sim como um alerta sobre a necessidade de zelo e responsabilidade no uso das verbas públicas destinadas à comunicação.
Informar eficientemente a população é dever do Estado; promover a figura do governante, porém, é uso indevido da máquina pública.
Para além disso, trata-se de um convite à reflexão: em tempos de redes sociais, a linha entre o que é institucional e o pessoal é cada vez mais tênue e a prudência deve ser a regra.
Para os agentes públicos, a lição é direta – transparência e impessoalidade não são apenas princípios constitucionais, são deveres a serem observados e que garantem a nossa legitimidade democrática. Do contrário, as consequências são severas e podem comprometer a própria história e vida na política.